sábado, 30 de janeiro de 2016

FGTS terá perdas com ações do governo para estimular crédito, dizem especialistas

 

A decisão do governo de recorrer aos recursos do Fundo de Garantia de Garantia do tempo de Serviço (FGTS) para financiar mais da metade das ações de estímulo o crédito nunciadas anteontem despertou críticas dos especialistas. Dos R$ 83 bilhões de ampliação potencial do crédito previstos nas medidas, R$ 49 bilhões serão financiados pelo dinheiro da poupança do trabalhador. Técnicos e fontes do Conselho Curador do FGTS alertam que esses recursos terão rendimento menor ao serem destinados para as ações anunciadas pelo governo. E isso ocorre num momento em que, diante da crise econômica e do aumento do desemprego, os saques do FGTS estão crescendo e a arrecadação, caindo. Entre janeiro e novembro de 2015, o FGTS arrecadou 20% menos do que em igual período do ano anterior, o que representou uma perda de R$ 3,219 bilhõesOs técnicos explicam que os depósitos vinculados, referentes ao saldo de cada trabalhador no FGTS, estão preservados. O dinheiro a ser usado nas novas medidas do governo virá de recursos disponíveis que seriam aplicados nas outras finalidades constitucionais do FGTS, como habitação, saneamento e mobilidade urbana. Os especialistas criticam sobretudo o uso do FGTS como garantia a empréstimos consignados, medida com a qual o governo pretende aumentar em R$ 17 bilhões a oferta de crédito; e a destinação de dinheiro do Fundo para aplicar em Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), que segundo o Ministério da Fazenda poderia estimular o crédito habitacional em R$ 10 bilhões.Segundo especialistas, a proposta do governo de forçar o FGTS a comprar R$ 10 bilhões em papéis imobiliários dará prejuízo ao Fundo e foi feita sob medida para ajudar os bancos, principalmente a Caixa Econômica Federal. Isso porque o papel rende em torno de 7%, enquanto que o Fundo poderia aplicar na taxa básica de juros Selic, por exemplo, e ganhar 14,25%.
Para Henriqueta Arantes, consultora da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic) e membro do grupo técnico do FGTS, o mais adequado seria o governo usar esses recursos para ampliar as linhas de financiamento habitacionais que o Fundo já opera. Isso aumentaria o crédito imobiliário e não prejudicaria o FGTS, pois os repasses seriam realizados ao longo do tempo, à medida em que os contratos são assinados. Ela explica que a destinação para comprar R$ 10 bilhões em papéis imobiliários levaria o FGTS a desembolsar o montante de uma só vez, sendo que o banco que vender o título poderá aplicar o dinheiro onde quiser. Ela observou que o valor é muito elevado, se comparado ao orçamento que o Fundo tem destinado a essa finalidade, em média de R$ 600 milhões por ano.
Segundo Henriqueta, quando os conselheiros decidiram autorizar uma reserva recursos para a compra de CRIs, a intenção era estimular o mercado secundário e não de “resolver” a situação dos bancos.
— É mais uma operação para dar dinheiro aos bancos. O FGTS virou o posto Ipiranga do governo — disse ela.
Na sua avaliação, as medidas adotadas pelo governo podem colocar em risco a sustentabilidade do Fundo a longo prazo. O FGTS tem atualmente (dados até novembro) uma disponibilidade de R$ 150,4 bilhões (montante que está aplicado e é liberado no orçamento para financiamentos habitacionais, obras de saneamento e mobilidade urbana). Além disso, há uma reserva de liquidez de R$ 38,4 bilhões (valor reservado para pagamento de saques). As contas individuais dos trabalhadores, com saldos que somam R$ 337,4 bilhões estão com recursos emprestados, mas são garantidas.
— Qual é o problema das medidas anunciadas pelo governo? No futuro, o FGTS pode ficar descapitalizado e, no presente, ter problemas de fluxo de caixa, porque a arrecadação líquida está caindo e a tendência é de piora no mercado de trabalho, que reage de forma defasada em relação à economia — destacou o consultor da Comissão de Orçamento da Câmara dos Deputados, Leonardo Rolim.

NO CONSIGNADO, PERDA PARA O TRABALHADOR

Para os especialistas, a proposta do governo de permitir o uso do FGTS como garantia no crédito consignado é ruim para os trabalhadores e para o próprio Fundo. A proposta prejudica os trabalhadores, que poderão ficar com o dinheiro bloqueado enquanto durar o pagamento do empréstimo, com rendimento inferior aos juros cobrados pelos bancos: enquanto a remuneração do FGTS é de 3% ao ano, mais a TR, a taxa média cobrada pelos bancos ficou em 41,3% ao ano em dezembro (dados do Banco Central). Ou seja, é mais vantajoso para o trabalhador sacar todos os recursos nas demissões sem justa causa e decidir o que pagar por conta própria. Para se ter uma ideia, com um saldo de R$ 1 mil, o cotista receberá ao longo de um ano R$ 1.050, enquanto que a instituição financeira, R$ 1.410.
— A troca é terrível para o trabalhador. Além disso, o Fundo, que já vem sendo descapitalizado devido ao aumento do desemprego, vai sofrer ainda mais com as retiradas — disse Rolim.
Ele lembrou que o Fundo passou por dificuldades na década de 90, quando os saques superaram os depósitos. Na época, disse Rolim, o FGTS tinha patrimônio, mas enfrentava problemas de fluxo de caixa. Houve até uma CPI do FGTS e as contas foram centralizadas na Caixa, lembrou Rolim, que participou do “acordão” em 2001, quando toda sociedade ajudou a pagar os expurgos inflacionários dos planos econômicos.
Segundo dados da Caixa, em 2015, o FGTS emprestou R$ 58,412 bilhões em habitação, infraestrutura urbana e saneamento básico, entre outros. Foram R$ 53,383 bilhões só em habitação (632.391 moradias) e R$ 2,421 bilhões em saneamento.
A assessoria de imprensa do Ministério da Fazenda reafirmou que serão criados mecanismos para evitar o superendividamento dos trabalhadores. Na próxima semana, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, vai apresentar a proposta aos líderes dos partidos da base aliada. No fim deste mês, o Conselho Curador do FGTS se reunirá para tratar da regulamentação da proposta. Caberá ainda ao Conselho Monetário Nacional (CMN) definir como a medida será implementada e os recursos oferecidos como garantia bloqueados no sistema financeiro. A assessoria não esclareceu a situação para os trabalhadores que pedirem demissão e, neste caso, sem direito à multa dos 40%.

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