sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Pacientes desenvolvem resistência a medicamento anti-HIV

 
Quando surgiu, há 15 anos, a droga tenofovir representou uma revolução. Antirretroviral capaz de diminuir a carga de HIV no corpo, a medicação foi uma das responsáveis pela melhora da qualidade de vida de soropositivos. Com quase nenhum efeito colateral, o remédio é usado na fase inicial do tratamento contra Aids, em geral por meio do comprimido apelidado de “3 em 1” (tenofovir, efavirenz e lamivudina), ingerido diariamente. No entanto, uma pesquisa divulgada ontem revela que, em parcelas significativas de pacientes da Europa e, principalmente, da África, o vírus criou uma resistência à substância. Segundo especialistas, o problema pode até mesmo afetar os planos da ONU de controlar a doença até 2030
Publicado na revista médica “Lancet Infectious Diseases”, o estudo da Universidade College London, na Inglaterra, e da Universidade Stanford, nos EUA, analisou 1.926 soropositivos no mundo que, mesmo sob tratamento, não tiveram sua carga viral reduzida. Descobriu-se que, entre pacientes com esse perfil na África Subsaariana, 60% são resistentes a tenofovir. O mesmo aconteceu com 20% dos pacientes avaliados na Europa.
 Os pesquisadores concluíram, ainda, que cerca de dois terços dessas pessoas também desenvolvem resistência a outras drogas ingeridas junto com o tenofovir, o que significa que o tratamento delas está totalmente comprometido. Segundo o estudo, 15% dos africanos tratados com esse remédio podem criar resistência à droga logo no primeiro ano de tratamento.
  O tenofovir é parte essencial do nosso “armamento” para controlar o HIV, então é extremamente preocupante ver que existe um nível tão alto de resistência — destaca o principal autor da pesquisa, Ravi Gupta, consultor honorário para doenças infecciosas da College London. — É uma droga potente, usada tanto no tratamento e na prevenção, entre os grupos vulneráveis (profissionais do sexo, por exemplo). Por isso, é urgente que façamos mais para combater o emergente problema dos altos índices de resistência.

Gupta explica que quem começa o tratamento quando já está com o sistema imunológico fraco tem 50% a mais de risco de se tornar resistente. E é comum isso ocorrer na África Subsaariana, onde governos só distribuem o tratamento gratuito para soropositivos que já apresentam sintomas.
É este um dos pontos-chave para diferenciar o cenário africano do brasileiro, afirma o diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita. Ele ressalta que, no Brasil, desde dezembro de 2013, todas as pessoas que recebem diagnóstico de HIV positivo iniciam tratamento, mesmo que ainda não apresentem qualquer sintoma. Enquanto a epidemia na África é generalizada (alguns países têm 20% da população infectada), no Brasil o problema se concentra nas populações vulneráveis.
A Europa, por sua vez, mesmo sem uma grande epidemia, hesitou por muito tempo antes de adotar um protocolo que determinasse um início precoce do tratamento, o que só foi feito no mês passado.
— Das pessoas que seguem tratamento para HIV no Brasil, 91% têm carga viral indetectável, o que indica que temos uma alta taxa de adesão. E, quando as pessoas começam a se tratar logo depois de contrair o vírus, o risco de criar resistência diminui bastante — garante Mesquita.
Em 2015, 81 mil pessoas no Brasil começaram a tomar antirretrovirais, 13% a mais do que o registrado em 2014. O país tem hoje 455 mil pacientes em tratamento. Destas, quase 260 mil usam o tenofovir, isoladamente ou combinado com outras drogas. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece 22 medicamentos para HIV. Três deles podem substituir o tenofovir, embora provoquem efeitos colaterais. O paciente que não responde bem pode fazer um teste que identifica resistência a alguma droga.
Estimativas divulgadas pela ONU no final do ano passado davam conta de que, no mundo, 15 milhões de pessoas tinham acesso a tratamento, o dobro do número de 2010. Além disso, o total de novas infecções em 2015 por HIV caiu 35% desde o pico registrado em 2000, para cerca de dois milhões, enquanto as mortes devido à doença recuaram 42% em relação a 2004, para 1,2 milhão.
Para Fábio Mesquita, o alto índice de resistência ao tenofovir mundo afora dificulta o cumprimento da meta de acabar com a epidemia de Aids em 2030, estabelecida pela ONU.
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— É claro que isso é um percalço, a situação na África parece ser pior do que pensávamos. Mas ainda temos tempo de reverter isso. Se não até 2030, talvez alguns anos depois — diz.
Coordenador de projetos da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia), Veriano Terto Jr. diz que antirretrovirais têm prazo de vencimento:
— É um ciclo. Drogas antirretrovirais têm eficácia com data de validade. Com o tempo e problemas de baixa adesão, as pessoas desenvolvem resistência e precisam de novos medicamentos. E novas drogas, geralmente, são caras demais. É preciso acompanhar inovações na área mais de perto.

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