segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Prefeituras e câmaras não cumprem regras de transparência, diz estudo



 Leis que exigem transparência dos gestores públicos já existem há alguns anos no Brasil, mas ainda não é possível dizer que elas pegaram. Pelo menos quando se trata de prefeituras e câmaras municipais. Levantamento feito pela Consultoria em Administração Municipal (Conam) — empresa que presta assessoria para cerca de 100 municípios mostra que procuradores e promotores já entraram com ações contra pelo menos 44 prefeituras e 16 câmaras. O objetivo é obrigá-las a se adequarem à lei.

O número ainda é modesto, diante dos 5568 municípios que há no país, mas deverá crescer em 1º de junho de 2016. Nessa data, o Ministério Público Federal (MPF) pretende ajuizar várias ações contra quem ainda não estiver cumprindo as regras de transparência. De olho no descumprimento da lei, integrantes do Ministério Público vêm tentando obrigar os municípios a mudar sua postura. Primeiro por vias extrajudiciais, enviando, por exemplo, recomendações ou firmando acordos. Depois, quando isso não dá certo, entrando na justiça com ações que podem resultar até mesmo no afastamento do cargo e na suspensão dos direitos políticos de prefeitos e presidentes de Câmaras Municipais.

Os gestores citam vários motivos para não cumprir a lei. A falta de pessoal capacitado, prazo exíguo, secretários que não cumprem ordens e até desconhecimento da lei são algumas das razões alegadas. Responsável por monitorar o cumprimento da Lei de Acesso à Informação em Goiás, o promotor Rodrigo Bolleli destaca duas questões que entende serem preponderantes.

— Infelizmente, ainda permeiam os municípios a cultura do sigilo. Ainda relutam em divulgar as informações, porque permeia acima de tudo a cultura do sigilo. Os prefeitos, os gestores acham que não devem divulgar informações. Essa inicialmente é nossa maior resistência. Mas a gente nota também a falta de capacidade técnica. Muitos municípios de desenvolver o programa para implementar efetivamente os portais. Primeiro a cultura de sigilo, depois a falta de pessoal capacitado para gerir os portais — diz Bolleli, que é coordenador do Centro de Apoio Operacional do Patrimônio Público do Ministério Público de Goiás (MPGO).

A advogada Giselle Gomes Bezerra, consultora jurídica da Conam, diz que ainda há uma questão cultural contra a transparência, mas lembra que o princípio da publicidade já estava previsto na Constituição de 1988.

— A questão cultural ainda pesa sim, sem sombra de dúvida. Mas acho que hoje não podemos nos apegar à questão cultural, porque transparência está em voga. E o princípio da publicidade sempre esteve presente — diz Giselle.

A Lei da Transparência, de 2009, dava quatro anos para que os municípios de até 50 mil habitantes passassem a ter um portal na internet em tempo real com informações sobre receitas e despesas. Para as cidades maiores, o prazo era menor. Em 2011, foi aprovada a Lei de Acesso à Informação, permitindo que qualquer cidadão pudesse encaminhar um pedido de informação aos órgãos públicos. Mas nem todos parecem observar as normas. Outros só fizeram isso depois de acordos com o Ministério Público. Houve quem se mexesse apenas depois de uma ação na justiça. E há até quem deixou de cumprir decisão judicial determinando a adequação às regras de transparência.

No Rio de Janeiro, há ações do MPF e do Ministério Público estadual. O MPF foi à Justiça contra oito prefeituras da Baixada Fluminense e três da Costa Verde. Na Baixada Fluminense, de acordo com o Ministério Público, cinco delas — Belford Roxo, Duque de Caxias, Japeri, Nova Iguaçu e Queimados — sanaram os problemas. Na Costa Verde, as prefeituras de Angra dos Reis, Mangaratiba e Paraty chegaram a seguir algumas recomendações do MPF, mas continuaram com pendências. Assim, em outubro de 2015, o Ministério Público ajuizou ações públicas para que regularizassem a situação, mas ainda não há decisão judicial.

A prefeitura de Mangaratiba também é alvo do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que, em 1º de abril de 2015, ingressou com uma ação contra o ex-prefeito Evandro Bertino Jorge, o Evandro Capixaba, e outros gestores municipais, pedindo que eles fossem afastados dos cargos e tivessem seus direitos políticos suspensos por até cinco anos. Em 17 de abril, o então prefeito foi preso por outro motivo: fraude em licitações. Acabou afastado do cargo e, em junho, teve o mandato cassado pela Câmara Municipal. Em 28 de abril, o juiz Marcelo Borges Barbosa deu um prazo de 90 dias para atualização do portal.

A prefeitura de Mangaratiba informou que não tem medido esforços para cumprir a lei, destacando que vem melhorando sua avaliação e, hoje, é a sexta mais transparente do Rio Janeiro, segundo ranking do MPF, cumprindo quase que integralmente as determinações da lei. Procurada, a prefeitura de Angra dos Reis não deu retorno. O GLOBO não conseguiu entrar em contato com a prefeitura de Paraty.

Também foram localizadas ações contra 12 prefeituras de Santa Catarina, nove do Paraná, três de Goiás, três do Maranhão, três do Pará e três do Piauí. Em alguns casos, os gestores municipais até melhoram a transparência, mas ainda deixam de cumprir alguns pontos da lei. Segundo Bolleli, os municípios goianos, por exemplo, vêm apresentando progressos, mas a passos lentos. Bolleli planeja acelerar o processo de adequação à lei em 2016, com medidas mais coercitivas, como o pedido de suspensão de transferências voluntárias de recursos federais. Segundo ele, o principal problema é a demorar em atualizar os dados no portal.

A suspensão das transferências voluntárias é uma medida que já foi adotada para vários municípios brasileiros, entre eles Belford Roxo. O município da Baixada Fluminense teve os repasses suspensos em abril de 2015, após várias tentativas do MPF em fazer o prefeito Dennis Dauttmam criar um portal da transparência. Posteriormente o município conseguiu se adequar às normas de transparência, mas as ações do prefeito não o livraram de responder a uma ação de improbidade. Nesse caso, ele já teve uma decisão favorável na primeira instância, mas o Ministério Público avisou que vai recorrer. A prefeitura não respondeu se conseguiu reverter a suspensão das transferências.

Na lista de municípios alvos de ações, há até mesmo uma capital. É o caso de Teresina. Lá, em fevereiro de 2015, o Ministério Público do Piauí (MPPI) acionou na Justiça o prefeito Firmino Filho (PSDB) e outras seis pessoas que ocupam ou ocupavam cargos de chefia no município. Segundo a promotora Leida Diniz, há problemas tanto no portal da transparência quanto nas respostas a pedidos feitos por meio da Lei de Acesso à Informação. Ela pede que os gestores e ex-gestores percam os cargos públicos, tenham os direitos políticos suspensos por até cinco anos, e sejam proibidos de contratar com o poder público.

O procurador da República em São João de Meriti, Eduardo El Hage, responsável pelas ações contra prefeituras da Baixada Fluminense, destaca três pontos importantes para defender a necessidade de os gestores públicos serem transparentes: controle social, pela imprensa e também um acesso mais ágil e rápido a essas informações pelos próprios órgãos de fiscalização, como o Ministério Público. Segundo ele, é possível a atuação tanto do MPF quanto dos colegas do Ministério Público estadual.

— Ministério Público estadual porque existem recursos próprios do município. Em relação ao MPF, se justifica porque, apesar de a União ter um grau de transparência muito bom, o problema é que esse recurso federal, quando entra no estado ou município, entra numa caixa preta — diz Eduardo El Hage.

Em dezembro, o MPF divulgou avaliação feita na administração das 5.569 cidades brasileiras (incluída aí Brasília, que não é um município). De cada cinco prefeituras, uma tirou 0 e outras duas ganharam nota menor que 5. Na média, a nota das prefeituras brasileiras foi de apenas 3,91. Ao todo, apenas 59 (1,06% do total) conseguiram nota entre 9 e 10. A nota máxima, inclusive, foi obtida por apenas sete municípios. A partir dessa avaliação, o MPF emitiu recomendações para 3.298 prefeituras, para que eles se adequassem às normas de transparência. Uma nova avaliação será feita em abril e maio. Quem não tiver corrigido os problemas será alvo de ações civis públicas.

Arquivo do blog