A
passagem de milhares de turistas por capitais com tradicionais carnavais de rua
em Estados com alto número de casos de bebês nascidos com microcefalia e
suspeita de ligação com o zika vírus pode representar um "coquetel
explosivo" e ajudar a espalhar ainda mais a doença pelo país, alerta a
coordenadora de virologia clínica da Sociedade Brasileira de Infectologia,
Nancy Bellei. Até o momento há 3.530 casos de microcefalia relacionados ao zika
em 21 Estados.
Para os especialistas, o Carnaval reúne fatores de
risco preocupantes para o aumento da transmissão do zika, num momento em que a
epidemia ainda se encontra em curva de ascensão no Brasil.
O alerta se soma a um comunicado da
Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS, escritório regional nas Américas da
Organização Mundial da Saúde), que nesta segunda-feira relatou aumento de casos
da síndrome de Guillain Barré em países com epidemias de zika. Em julho de
2015, 42 pessoas foram confirmadas com a doença, que causa problemas
neurológicos, na Bahia.
O "coquetel explosivo" do
Carnaval inclui, segundo os infectologistas, as grandes aglomerações de
pessoas, em geral com poucas roupas e mais vulneráveis às picadas do Aedes
aegypti (mosquito transmissor da dengue, chikungunya e zika),
possibilidade de chuvas, maior quantidade de lixo nas ruas e por consequência
mais chance de potenciais criadouros do mosquito.
Isso se soma ao maior numero de
relações sexuais sem proteção e risco de gestações indesejadas justamente nos
locais de maior incidência do vírus relacionado à má formação fetal, dentre
outras consequências ainda pouco conhecidas.
Segundo o último boletim
epidemiológico do Ministério da Saúde, dos 3.530 casos de microcefalia
relacionados ao zika em todo o país, 1.236 estão em Pernambuco, primeiro Estado
a identificar o aumento do problema, onde foi decretado o estado de emergência
desde novembro. Em segundo está a Paraíba, com 569 casos, e em terceiro a
Bahia, com 450 ocorrências. O Rio de Janeiro fica em 9º lugar, com 122 casos.
Alerta, riscos e 'coquetel explosivo'
Nancy Bellei, coordenadora de virologia clínica da
SBI, cita a preocupação com a transmissão sexual devido a um estudo de 2011 que
teria documentado como um cientista americano vindo do Senegal, que passava por
um surto de zika, teria transmitido a doença para a mulher, nos Estados Unidos,
através do sêmen.
Ainda precisamos de mais estudos sobre a relevância
epidemiológica dessa forma de transmissão, mas até pouco tempo também não
sabíamos da ligação entre o zika e a microcefalia. É uma doença nova, sobre a
qual ainda não se sabe muito. Não precisamos esperar para nos protegermos. Não
se pode descartar a chance de termos até um aumento de casos de zika após o
Carnaval justamente pelo contato sexual disse: Nancy
Nancy explica que o potencial de propagação
do zika devido ao Carnaval também depende da existência do mosquito nos locais
de origem dos turistas.
Se a pessoa vai para uma capital com
grande Carnaval de rua, é picada e infectada pelo zika e volta para sua cidade
mas lá não há o mosquito, ela vai adoecer, se tratar, e tudo bem. Agora, se o
local de origem tiver o Aedes, o mosquito pode
picar essa pessoa, receber o vírus e introduzir a doença num local até então
livre dela", explica.
Segundo a especialista, o Aedes é encontrado
em todos os Estados, mas a região Sul estaria menos vulnerável, por ter clima
mais frio e tradicionalmente apresentar menor incidência do mosquito.
A pesquisadora Elaine Miranda,
professora da Escola Nacional de Saúde Pública, da Fiocruz, no Rio de Janeiro,
concorda que o alerta é oportuno e diz que, dadas as características de massa
de um evento como o Carnaval, quando a capacidade de resposta das unidades de
saúde tende a ser superada, é crucial que as cidades estejam preparadas para
receber milhares de foliões em meio a uma epidemia em curso.
"Medidas de controle já vêm
sendo implementadas em todas as capitais referidas. No entanto, a complexidade
do controle do mosquito e consequentemente da transmissão do vírus vai muito
além de medidas pontuais e pensadas para eventos de massa, tais como o
Carnaval", avalia.
A virologista Nancy Bellei, da SBI,
diz que é primordial que se faça um alerta muito claro. "Eu acho um erro
ignorar estes riscos e não fazer um grande alerta. O Brasil tem essa cultura,
de que se você fala a verdade está disseminando o pânico. Em outros países é
diferente", diz.
Para ela, é importante deixar claro
que as pessoas estão viajando para uma área de alta infestação de Aedes
aegypti, e que se voltarem para casa com febre sem nenhum outro sintoma de
infecção precisam procurar atendimento médico para serem investigadas para
dengue, chikunguya ou zika.
Precaução e recomendações
Na visão das especialistas é
importante que as pessoas tentem se proteger e tomem medidas de precaução
durante o Carnaval. Elas também cobram medidas do Ministério da Saúde e das
prefeituras de grandes capitais acostumadas a receber milhares de turistas.
"Práticas educativas e de
alertas para os foliões são tão bem-vindas como são estas mesmas práticas para
a população em geral. Sem dúvida todos devem ser orientados a agir em seu
próprio benefício suscitando assim, uma mudança de comportamento e consequente
redução da vulnerabilidade", diz Elaine Miranda, da Escola Nacional de
Saúde Pública.
Para os foliões, as principais
recomendações são colaborar no controle do mosquito, evitando deixar água
parada, além do uso de preservativos nas relações sexuais. O uso de repelentes
pode ajudar, desde que o produto seja reaplicado conforme as orientações do
fabricante. Usar calça e camisas compridas também pode ajudar, diminuindo a
área exposta ao mosquito - algo difícil de ser colocado em prática em meio às
altas temperaturas dos blocos de rua.
Quanto às prefeituras, as
especialistas recomendam ações intensificadas de controle do mosquito, além de
uma preparação das unidades de saúde pública e cartilhas informativas,
alertando sobre riscos e a necessidade de se proteger, além das orientações de
procurar atendimento médico o mais rápido possível em caso de febre sem
indicações claras de outras infecções.
O Ministério da Saúde diz que tem
fortalecido a capacidade de atendimento e articulação do SUS em cidades que
recebem grande influxo de turistas e que o país está habituado a sediar eventos
de massa com sucesso, tais como a Jornada Mundial da Juventude e a Copa do
Mundo.
Em nota, o ministério também destacou
o site www.saude.gov.br/viajante, no ar desde maio de 2013, onde há dicas de
prevenção e cuidados durante viagens para brasileiros e estrangeiros nos
idiomas português, inglês, espanhol e francês.
